The Guardian experimenta a notícia em rede
10/03/2013 19:12
O conhecido diário The Guardian está realizando até o início da próxima semana, 24 de outubro de 2011, um experimento de compartilhar a construção de alguns de seus conteúdos com os leitores, através do uso de redes sociais.
A idéia é publicar uma lista restrita de pautas das editorias de notícias nacionais (Inglaterra), internacionais e negócios, no blog do jornal e depois encorajar as pessoas a entrarem em contato com os jornalistas responsáveis por produzir estes conteúdos, via Twitter, caso elas tenham propostas a fazer para a apuração e desenvolvimento das histórias em construção.
É interessante e corajoso.
No artigo online onde informa o experimento e as expectativas do jornal, Dan Roberts, National News Editor do The Guardian, explica que não serão divulgadas pautas estratégicas e exclusivas do diário, que envolvam alternativas para sair em vantagem frente à concorrência existente no mercado editorial (um pouco frustrante, porque parece que o leitor só é convidado a participar do que tem menos importância), ou pautas que estejam sobre algum tipo de embargo específico (neste último caso um cuidado ético importante).
Sobre as motivações que levaram o The Guardian a realizar este movimento em direção aos leitores, afirma Dan Roberts:
“…in a world where many readers have been left deeply cynical about journalism after this summer’s phone-hacking revelations, it seems there are more people wanting to know where their news comes from and how it is made.”
A afirmação acima faz mais sentido quando se sabe que o The Guardian fez uma cobertura pouco usual dos acontecimentos relativos ao grupo Murdoch, quando se trata de “imprensa cobrindo imprensa”.
Depois, mais a frente, completa o editor do jornal:
“Eventually, I suspect, a generation gorged on reality television and social media might demand this (participação através das redes) from all sorts of media companies – from radio stations deciding which music goes on their playlist to public services broadcasters deciding what to spend money on.”
Evidentemente, o que transparece na fala do editor é a preocupação do jornal – eleito o diário do ano, na Inglaterra – em não perder o “timming” da rápida transformação da comunicação contemporânea, demonstrando entender que muitas destas transformações têm a ver com as redes sociais. Ele está certo.
Como transparência e redes sociais têm muita coisa em comum, Dan Roberts faz vários avisos aos leitores. Todos têm a ver com “ser transparente” na proposta r não alimentar falsas expectiativas.
Alguns envolvem a autonomia e a independência editorial, como:
“what we won’t do is give up our right to exercise our own judgement about which stories are important”.
Também se previne contra os chatos e insistentes, como os relações públicas:
“…or pay much attention to pestering from PR people”.
Por fim, com muita clareza no que é a parte mais importante do seu trabalho, o editor comenta:
“we are a busy news desk so we won’t be able to replay to everything, but we will be reading it and taking your views in account. This is an experiment in openness that we hope to keep going for a fortnight. We’ll see how we go.”
Trancorridos alguns dias do início do experimento do The Guardian, mas antes que os 14 dias propostos por Dan Roberts tivessem chegado ao fim, o editor publicou no mesmo blog a seguinte nota:
“the first week of the Guardian’s experiment in publishing its news lists has reaped advantages, but more is needed.”
Escrevo quando o experimento ainda não chegou ao fim, mas o tom pouco motivado desta última publicação de Dan Roberts sobre o assunto, aponta os riscos de descontinuidade da iniciativa. Isto seria uma pena.
Ao observar o que o jornal fez, a primeira coisa que chama a atenção é a própria lista de pauta, a forma despretensiosa como está organizada, desestimulante para quem visita a tabela de assuntos com a intenção de opinar. São chamadas de texto exíguas, sem desenvolvimento, sem provocação. São apenas uma anotação rápida de editor, sobre que repórter está fazendo o quê. Isso faz parecer o próprio trabalho na redação do jornal bastante desistimulante, o que não deve corresponder à realidade. Portanto, falta, na lista publicada, a agitação e o dinamismo da redação do The Guardian, a curiosidade e o interesse investigativo do repórter.
O tipo de interatividade, via Twitter, também desperta duvidas quanto à eficácia. O leitor clica o nome do repórter e faz um twit para o perfil do mesmo naquela rede social. Mas, é como se uma mensagem fosse enviada para o buraco negro da internet e não para outra pessoa, que vai se relacionar com o interlocutor (o pressuposto das redes sociais não é o relacionamento?). A mensagem sai de nossos computadores e gadgets pessoais e desaparece, sem uma interatividade de retorno. Sim, fomos avisados que provavelmente não seriam respondidas, que talvez nem fossem lidas… Porém, mesmo sabendo disto, é frustrante e não é usual em redes sociais.
Nisto, creio, há um erro de estratégia, quiçá ausência de conhecimento sobre a dinâmica de redes sociais, talvez pouco conhecimento sobre os hábitos dos próprios leitores do jornal no que se refere ao uso das redes sociais… Enfim, faltou ajuste.
O ponto forte é a simplicidade do procedimento que foi adotado: usando um recurso simples e gratuito, oferecido pelas plataformas Google, o jornal publica no blog, e mantém atualizada, uma lista de pautas e seus repórteres responsáveis. O leitor vê a lista e clica no nome do repórter com quem quer contribuir. Pronto.
A mecânica é ótima, mas o uso das redes não está bem resolvido no que tange à adequação do recurso ao objetivo (parece que os twits enviados ao buraco negro da internet que está logo atrás dos nomes dos repórteres não funcionaram).
Na percepção da necessidade de mudança urgente dos processos de produção da notícia, na busca de transparência e envolvimento dos leitores neste procedimentos, sem querer “delegar” ao leitor o trabalho e sem abrir mão da responsabilidade e competência técnica da análise do profissional de jornalismo, nisto Dan Roberts e o The Guardian estão mais que certos.
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